Reflexões de uma mãe de intercambista
Minha filha fez um intercâmbio na Austrália, dos 15 aos 16 anos. Assim como um termômetro durante as quatro estações do ano, minha saudade sofreu oscilações de intensidade. Quando ela partiu, meu coração também se partiu. A impressão é que eu ficaria dez anos sem ver a criatura. Fiquei com os olhos inchados de tanto chorar. Cada ligação era um final de novela das oito. Nessa etapa, ela ainda estava se ajustando com a família, escola, cidade, e a sensação de desamparo era meio paralisante para mim.
Depois, conforme ela foi fazendo amizades, entendendo o funcionamento da casa e da escola e se sentindo mais à vontade na nova rotina, nós aqui fomos baixando a guarda. Ela estava confortável e nós começávamos a ficar também. Percebi que tudo, deste lado de cá do mapa, era um reflexo do que rolava do outro. Se ela estava tranquila, ocupada com suas tarefas e feliz com a vida, nós também estávamos. Elenco a seguir, outros aspectos que me chamaram atenção nesse papel de mãe de intercambista que vivi por um ano:
Preocupada? Por quê?
A filha está longe e eu não estou preocupada. Como não está? Ninguém acreditava. Eu estaria mais preocupada se ela estivesse aqui. Explico. Como qualquer adolescente de dezesseis anos, ela quer sair e passear. Aqui, ela acabava passando por tudo o que uma adolescente que mora em uma grande cidade brasileira como São Paulo está passível: assaltos, mãos bobas, abusos verbais… Isso sim me preocupa. Enquanto isso, na vida australiana, Natalia viveu a cidade. Passeou livremente, foi a pé ou de ônibus à praia, shoppings, shows públicos, parques, casa de amigos, enfim, programas normais que todo adolescente adora. Algumas vezes ela voltou no escuro para casa, mas nunca se sentiu insegura.
Divisão de tarefas de pais de um intercambista
Sabe aquela divisão de responsabilidades que temos com o pai do nosso filho? Na segunda-feira, eu levo na escola, na terça, ele – ou eu – hoje eu faço o jantar, amanhã ele – depois ele de novo (tomara!). Nem é uma combinação falada, é uma combinação que flui. E olha que engraçado: essa mesma dinâmica se formou com a filha longe. Assuntos de dinheiro, com ele. Assuntos de documentação, comigo. Atualização das pequenas peripécias diárias, nós dois. Em um dia, sou eu que falo com ela no telefone, no outro é ele – que depois, tem que me passar o relatório completo com mínimos detalhes (claro, né?). Já minha filha, coitada, se perdia e às vezes me contava a continuação de alguma história cujo início eu não sei porque não foi para mim que ela contou e sim para o pai (cadê os mínimos detalhes?). E assim levamos, num eterno, e literal, telefone sem fio…
Expectativa X Realidade
Eu achava que com a filha longe só daria broncas construtivas à distância. Realidade: Mandei áudios de cinco minutos repetindo as mesmas informações em looping. Ou mensagens em caps lock com erros de digitação. Enfim, transportei para a mensagem via celular o mesmo calor de uma bronca na hora, igual a tudo que faria se a filha estivesse do meu lado. Outra: Eu achava que a gente se falaria todos os dias. Realidade: Não aconteceu. Tem dias que o fuso horário embola tudo, tem dias que os acontecimentos atropelam a rotina, tem dias que ela está envolvida em algo que não dá para interromper ou nós aqui, etc. Resta confiar no clichê “quantidade não é qualidade” e caprichar nas oportunidades em que as ligações acontecerem. Serviço: O ebook “Diário de uma Mãe de Intercambista: Aprendizados bem-humorados e considerações cheias de parcialidade para pais de primeiro intercâmbio”, está à venda na Amazon.